segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Conversas da Távola, parte 3


“O teatro realizado com seriedade e ética sempre levará à transformação social”, argumenta Stanislavski. “Então o senhor aponta para um teatro épico, Sr. Brecht?”

“Narrativo. Um fórum de discussões das complicadas relações humanas dentro do sistema capitalista.”

“O ator cria o personagem como extensão de sua própria personalidade”, diz, inserindo-se na conversa, o diretor polonês Jerzy Grotowski, com a inscrição Encenador (1933- 1999).
“Em meu teatro-laboratório, trabalhava com um pequeno grupo de atores em tempo integral e exigia deles absoluta concentração na pesquisa. Penso o ator como possibilidade de tensão levada ao extremo. O ator deve pensar com o corpo.”

“Como?”, perguntam os Srs. Stanislavski, Meyerhold, Gordon Craig e Brecht.

“Através do trabalho corporal.”

“Biomecânica”, diz Meyerhold.

“Então”, continua Grotowski, “através do trabalho corporal e de sua exaustão, que leva ao transe, o ator transcende suas possibilidades psíquicas e físicas, atingindo um ponto em que desaprende para atingir o ato criador. No despojamento físico e psíquico, o ator elimina suas resistências até atingir um impulso puro. Uma autopenetração que revela e sacrifica o mais íntimo de si mesmo.”

“A dança!”, grita o homem primitivo.

Todos os doze cavalheiros sorriem, com carinho, para o homem primitivo.

“Percorrido o processo de pesquisa física e psíquica, encontraremos o teatro pobre: sem cenários, materiais cênicos, efeitos técnicos, iluminação, maquiagem, ou seja, o teatro em sua essência, contando com o corpo e seu espaço, apto ao som, ritmo e movimento. Este teatro deve ser voltado a um público específico, qualitativo e não quantitativo. Um grupo pequeno para que haja uma integração em forma de culto”, finaliza o Sr. Grotowski.

“Santificação!”, clama o homem primitivo.

“Levei às últimas consequências as ações físicas elaboradas por você, Stan.”

“No meu livro póstumo ‘A composição do personagem’, há o cuidado de sistematizar o treinamento técnico exterior do comediante através de recursos físicos ligados ao trabalho vocal e corporal. Também em ‘A criação de um papel’, tive a oportunidade de aplicar meu método em comédia, drama e tragédia”, diz Stanislavski.

“Sim, e quantos não disseram que o seu método só se aplicaria ao teatro sério?... O conhecimento é tudo”, diz Brecht.

“O ator deve seguir ao abandono das forças instintivas para ampliar os limites da realidade”, reflete em voz alta o francês Antonin Artaud, com a inscrição Ator, encenador, poeta, dramaturgo (1896-1948). “O espetáculo deve salvar o homem. O ator como um atleta afetivo, através do sopro e da respiração, penetra o corpo do personagem, dando-lhe vida. O ator não deve temer o ridículo de assumir gestos patéticos, o grito é seu veículo mais expressivo. Através de sons inabituais e inumanos, nos aproximamos de estados emocionais elementares.” E, olhando para o homem primitivo à mesa, continua: “Na retomada do homem primitivo chego à essência teatral.”

“Teatro da Crueldade”, dizem juntos o inglês Peter Brook, Diretor de teatro e cinema (1925-), e o italiano Eugenio Barba, Diretor de teatro (1936-), ambos influenciados pela teoria de Artaud. A eles junta-se o americano Joseph Chaikin, Encenador e dramaturgo (1935-2003).
“O teatro é um encontro entre o ator e o espectador, assim como a transformação instantânea de um personagem noutro”, diz Chaikin.

“Aproveito os exercícios da biomecânica, mesmo os mais perigosos. O importante não é a execução do trabalho físico, mas as motivações e os impulsos que levam o corpo a reagir de determinada forma. Gritos e descontrole físicos não são criativos, pois não surgem da disciplina de pesquisa”, argumenta Eugenio Barba. Olhando para o Sr. Grotowski, acrescenta: “Admiro e utilizo a ideia do teatro pobre.”

“Gosto de suas ideias, Artaud!”, diz Peter Brook.

E continua Peter Brook: “Busco em minha pesquisa uma linguagem de sons e gritos que alcancem uma palavra-grito de impacto integrada ao movimento corporal.” Enquanto fala, olha para Artaud. “Você, Artaud, influenciou-me fortemente na utilização de cores expressivas em seus exercícios e espetáculos. Com isso, com elementos de violência e crueldade, busquei estabelecer novas relações entre ator-autor e público. Sempre busquei reformular os moldes verbais de meus atores, como, por exemplo, em inúmeras encenações shakespearianas, e em uma criação coletiva sobre a Guerra do Vietnã.”

“Ah, estudei e experimentei muito de vocês, Stan e Brecht”, finaliza Brook.

“Huumm, o ator pode ser um não-ator: um estudante, um operário, qualquer pessoa que queira desentorpecer o corpo alienado pelo cotidiano de uma sociedade capitalista. O ato de se ver em ação ou de interpretar o outro é próprio do ser humano. Através do sistema coringa, o ator mescla vários personagens, ora trabalhando a empatia stanislavskiana, ora quebrando a continuidade da ação, como no seu teatro épico, Brecht.”

Brecht olha para seu novo interlocutor, interessado.

“O Teatro do Oprimido chama o espectador à atividade cênica, tornando-o protagonista de um teatro que deve ser interpretado socialmente. Um teatro dialético. O ator retorna às origens quando torna seu espetáculo um ritual, onde o espectador-ator comunga com ele, o mesmo processo. Todos os seres humanos são atores, mas alguns profissionalizam-se”, diz o brasileiro Augusto Boal, inscrição Encenador, dramaturgo e ensaísta (1931-2009).

Enquanto a conversa na távola chega ao fim, o homem primitivo, travestido de xamã, dança mascarado ao redor da mesa.

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